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Ela é um tanto esquisita

São Paulo é uma dessas cidades complexas. No mesmo dia os termômetros podem atingir os vinte e sete graus à tarde e despencar para os doze à noite. Se São Paulo fosse uma pessoa sem dúvida seria uma mulher. Uma moça que não carrega guarda-chuvas, sai de casa de sapatilhas e camiseta e quando desce do ônibus é surpreendida por uma forte tempestade com ventania. O clima é o principal responsável pelas notícias diárias: se chover haverá congestionamento, acidentes e algum problema nas linhas de trens e metrôs. Se não chover, também. Se estiver muito calor os noticiários falarão da necessidade de usar protetor solar e beber muita água.

São Paulo abriga todo tipo de gente. Há quem não sai de casa nunca porque está sempre cansado, há quem não sai de casa por ter medo de bandido, sequestro ou manifestantes. Há quem gosta de happy hour todos os dias e quem se permite diversão apenas nos finais de semana. Há quem come bacon todas as terças-feiras, e uma porção de vegetarianos. Tem depressivos, pessoas felizes demais e quem nunca dorme.
Tem paulistano que vive correndo, ocupado, mal humorado e não para nunca.Tem Paulistano que tropeça toda hora porque estava concentrado no celular. Tem quem perceba cada uma das nuances de um Pôr-do-Sol.
Tem gente que sai de casa de manhã e só volta à noite, levando tudo que precisará dentro de uma mochila. Aliás, outra coisa curiosa são as mochilas. Tudo que se imaginar pode estar dentro de uma: livros, cadernetas, canetas, uma blusa de frio, óculos escuros, máquina fotográfica, batom, chiclete, tablet, lenços de papel, chaves, fósforo, lanterna, remédios, pinça, camiseta do time do coração, garrafa de água da semana retrasada…Tem até carecas que não dispensam o pente. Nunca se sabe!
Quem faz todos os dias o mesmo caminho para o trabalho ou na volta para casa acaba virando conhecido do motorista, do cobrador, dos outros passageiros: “Não apareceu ontem, Dona Tereza, tava doente?”. “Não, eu só cheguei depois no ponto e peguei o ônibus de trás.”. Mas tem quem mude o caminho todos os dias. Tem quem use óculos escuros, fone de ouvido e enfie a cara num livro para não correr o risco de ser abordado e ter que informar as horas ou responder “É mesmo!” para qualquer comentário que envolva palavras como  calor demais, chuva ou qualquer outra manifestação climática.
Em São Paulo tem filhos, netos, pais, avós, tios, sobrinhos, amigos, a prima da cunhada da vizinha da sua avó que ficou sabendo que o Pedro engravidou uma menina de 16 anos e foi obrigado a se casar.
Tem estações de metrô ultra-modernas onde todas as placas estão escritas em português e inglês; e estações de trem da linha 8-Diamante onde na entrada pode-se avistar uma mesinha de uma senhora que vende café-da-manhã e galinhas correndo, convivendo em harmonia com os transeuntes e bolos de mandioca.
Tem gente em São Paulo que nunca dá risada. Tem gente que não contém uma  crise de risos mesmo estando sozinha e em local público só por ter lembrado de uma história que aconteceu há pelo menos uns dez anos.
Em São Paulo há quem se irrite com o governo e quem fique muito bravo por nunca conseguir abrir um pacote de Passatempo sem rasgar. Tem gente que dança e gente que dorme. Tem gente que bebe e gente que dorme. Tem quem fuja de borboletas e quem ache que nunca vai namorar.
Tem quem nasceu em São Paulo. Tem quem veio da Bahia, Porto Velho, Florianópolis, até da Argentina e da Espanha; e, se algum leitor conhecer algum residente de São Paulo vindo do Acre faça o gentil favor de comunicar.
São Paulo é imprevisível e abriga diversas histórias imprevisíveis. Algumas delas são comoventes, motivadoras, empolgantes. Outras são engraçadas, hilárias e até mesmo impossíveis. Algumas são meras mentiras vergonhosas espalhadas por jogadores de pôquer com cara de lata de atum.
São Paulo é multi-polar, multi-cultural, plural. Tem lugar pra todos os tipos de gostos, tem pessoas pra todo tipo de lugar. Um velho de barba suja que toma uma branquinha na padaria antes do trabalho. Um executivo que marca todas as reuniões em um almoço no Figueira Rubayiat. Uma menina de cabelo azul que costuma ir aos festivais de cinema no Cine Joia. Um casal de senhores, ela jornalista, ele arquiteto, ambos aposentados, vão juntos ao MASP ver a nova exposição em uma tarde de quarta-feira. Um corinthiano que não perde um joguinho no Pacaembu. Duas amigas que ainda não descobriram melhor relação café/ambiente que a Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Um japonês que adora   ir a um bar de samba rock na Vila Madalena. Um estudante do colegial que gasta a mesada com camisetas americanas no Shopping Higienópolis e depois dá uma paradinha no Starbucks pra tomar um Frapuccino.  O marido que foi ao Pão de açúcar comprar Funghi Secchi para a esposa preparar um jantar e teve que ligar para ela diante da prateleira para perguntar se era aquilo mesmo e por que ela queria usar um ingrediente com cara de estragado.
Se São Paulo fosse uma pessoa seria uma mulher. E as mulheres são complexas, mudam de humor, não há quem consiga decifrá-las mas também faltam palavras para descrevê-las. São multi-tarefas. Leem, escutam música e respondem a um e-mail ao mesmo tempo.  Não param de andar enquanto procuram o celular dentro da bolsa. Elas usam perfume, batom e são tema frequente de consagrados poetas e contistas. São atraentes e amáveis. Assim é São Paulo, talvez a mais complexa de todas as cidades.